top of page
jornalismocosufal

Um futebol do interior inteiramente esquecido

Por Daniel de Oliveira e Guilherme Magalhães Nobre


Corinthians Alagoano, campeão Estadual, abre a lista de clubes alagoanos extintos. Crédito: Marcelo Prado/GloboEsporte.com


O futebol, provavelmente, é o esporte mais apreciado ao redor do mundo. Em qualquer território continental, vemos, ao menos, duas equipes formadas para disputar uma partida dentro das quatro linhas. Mas o esporte não se limita apenas ao ganho esportivo, a prática da atividade física, também envolve e move bilhões de pessoas ao redor do mundo, de diversas formas, porém, principalmente, seus torcedores.


Qualquer país que possamos imaginar, movimenta uma imensa quantidade de fanáticos pelo esporte e seus clubes. Independentemente do continente, vemos torcedores apaixonados, seja no Brasil, Espanha, México, Egito, Japão ou Austrália, sempre veremos estádios lotados e uma mobilização nacional. Essas situações são vistas, principalmente, em época de Copa do Mundo, quando 32 nações diferentes se juntam em um só local, para uma festa mundial.


Entretanto, algo tão grandioso como o futebol, também tem o seu lado B. Todas as grandes nações do mundo, com exceção do Paquistão, possuem campeonatos disputados, com camisas fortíssimas, torcidas enormes, porém, isso gera o que é conhecido como ‘futebol alternativo’.


Estádio Juca Sampaio, em Palmeira dos Índios, é um dos principais palcos do futebol de interior e alternativo em Alagoas. Créditos: Romário Silva/PalmeiraEsporte


O Brasil é conhecido por ter uma das maiores torcidas do mundo. Flamengo e Corinthians despontam com milhões de adeptos. Entretanto, apesar de moverem uma grande parte do público, a esmagadora maioria do futebol brasileiro sobrevive com aparelhos.


Em 2019, a CBF lançou um relatório de registro, onde apontou que existem, ao menos, 742 clubes profissionais registrados na entidade. Levando em consideração que as quatro divisões brasileiras só contemplam 128 clubes, são cerca de 614 inativos na maioria da temporada.


Essa branda inatividade gera um efeito bem comum e quase exclusivo do futebol brasileiro, que é a falta de existência desses clubes ao longo do tempo, seja por extinção ou se licenciando de competições estaduais. Como toda empresa sem fins lucrativos, é necessário um capital para girar o ganha-pão, que nesse caso é o próprio futebol.


Foto do elenco do Centro Sportivo Capelense, campeão alagoano de 1962, hoje o clube encontra-se licenciado. Créditos: Guilherme Nobre


Em Alagoas não é muito diferente do restante do Brasil. Com o estado sendo o segundo menor do Brasil em área e com apenas 101 municípios, a Terra dos Marechais tornou-se um triturador de equipes de futebol ao longo dos anos. Quem pode comprovar isso é o torcedor do inativo Associação Atlética Ipiranga, da cidade de Santana do Ipanema, Petrônio Rodrigues.


Eu torcia para o Ipiranga, de Santana. A gente ia todo dia de treino, a gente ia no campo do Colégio Estadual de Santana. Todo dia de jogos da cidade a gente ia assistir e assim a gente foi gostando do time e torcendo por ele. Eram os dois rivais Ipiranga e Ipanema.


Uma coisa que é muito comum no futebol de interior, é a proximidade do clube com seus torcedores, e assim também era com o Ipiranga.


“Tinha lá um campeonato citadino, quando jogava contra o Ipanema, no Estádio Arnon de Melo, tinha disputa de quebrar a trave para não haver jogo. Pessoal do Ipanema com medo de jogar com o Ipiranga. Teve uma vez no Campeonato Matuto, com os times do interior, o Ipiranga ganhou e veio decidir em Rio Largo, contra o Dicenal e ganhou, acho que foi em 68 ou 70, não lembro. Foi campeão matuto do estado todo. Aí chegaram de madrugada, foi uma festa. Lembro de alguns jogadores, o Bibi, Erasmo, Ismar, goleiro Tina, um dos melhores de Alagoas, já foi chamado até pro Náutico. Mané Cirilo, Gilvan, Motorzinho, era o ponteiro esquerdo, Mário Beleza, ponteiro esquerdo também”, relatou.


Estádio Governador Arnon de Melo, em Santana do Ipanema, não tem sido utilizado por conta da inatividade dos clubes locais. Créditos: Sertão em Foco


Apesar dos bons momentos, o torcedor não acredita no retorno do Ipiranga e reconhece a dificuldade de fazer futebol. Amante do futebol alagoano e sem o clube de sua cidade nos campos, passou a torcer pelo CSA.


Falta de incentivo dos comerciantes, dos comerciários, das prefeituras, incentivo financeiro e material, além de campo, local para treinamento, não ajudam um time que quer fazer futebol. Ipiranga treinava no colégio de Santana, não tinha um campo profissional para treinar”, confirmou.


Apesar de tudo, o desaparecimento de clubes não acomete apenas os torcedores de equipes desconhecidas. Muitos torcedores de times importantes no cenário alagoano tem sofrido com isso nos últimos anos. Desde do ano 2000, 11 clubes que disputaram a primeira divisão do Campeonato Alagoano deixaram de existir ou encontram-se inativos. Dois deles são, inclusive, campeões do Estadual, casos de Corinthians Alagoano e Capelense. Fora eles, equipes tradicionais como Santa Rita, Sete de Setembro, Ipanema e Bom Jesus também não se encontram mais jogando bola por aí.

Abaixo é a lista de clubes que estão, atualmente inativos, e entre parênteses, o último ano que jogaram a 1ª divisão.

Santa Rita (2018); Sete de Setembro (2017); Ipanema (2016); Corinthians (2013); Sport Atalaia (2013); União (2013); Capelense (2009); Igaci (2009); Bom Jesus (2006); Capela (2004); São Domingos (2000).


Camisa do Guarany Futebol Clube, outro clube extinto de Alagoas, que disputou o Campeonato Alagoano entre 1963 e 1977. Créditos: Guilherme Nobre


Um especialista em futebol alagoano é o pesquisador Júnior Penedense, nascido na cidade de Penedo. Júnior é dono do portal “Histórico dos clubes AL”, além de usar o Instagram para divulgar históricos de duelos entre clubes alagoanos.


Júnior, além de ser um fanático por números, também tinha como ídolo o falecido Lauthenay Perdigão, o historiador mais famoso do futebol alagoano.


“Eu tenho vontade de que muitos clubes voltem. Por exemplo: o Bom Jesus, da cidade de Camaragibe, que infelizmente no lado norte do estado não temos um clube. Consequentemente iria movimentar a região e assim, incentivar os amantes do futebol

Mas infelizmente, a ajuda das prefeituras não é tão forte como em outras décadas, fazendo assim, não acredito que times inativos voltem a fazer futebol”, disse.


Penedense ainda comentou sobre os novos clubes alagoanos, que acabam ficando no lugar desses que, infelizmente, não estão mais entre nós.


“Hoje tem muitos empresários investindo no futebol. Quando se vê que um clube antigo tem em seu CNPJ muitas dívidas e dificuldades para reativá-los. Daí, novos clubes são formados, grande maioria para apenas revelar jogadores. Que nem torcida tem, exemplo perto é o Aliança, de Maceió”, opinou.


O retorno de um gigante


Em um grito de suspiro, Penedense deve correr contra a maré e retornar ao futebol profissional em 2022. Créditos: Jonathan Lins/GloboEsporte.com


No meio de tantas cidades e torcidas tristes pela falta de um representante, Penedo terá a oportunidade de apreciar o seu time mais famoso, pelo menos até 2022. Isso porque foi anunciado o retorno do tradicional Penedense para as competições profissionais em Alagoas.


O time ribeirinho, como é conhecido, é o clube mais antigo do futebol alagoano, fundado em 03 de janeiro de 1909, e há um grande apreço de historiadores, além de toda cidade de Penedo pela equipe.


O Penedense nadará contra a maré dos clubes que estão deixando de existir, mesmo que tenha passado por um período de inatividade entre 2020 e 2021, surge uma grande oportunidade para o clube alvirrubro retornar aos holofotes e tentar sobreviver por mais uma temporada. O presidente do Penedense, Daniel Mendonça, comentou sobre o assunto e como tentará reestruturar a equipe, visando já voos mais altos em 2022.


"Estamos fazendo um trabalho de reestruturação financeira - sócio-torcedor, patrocinadores, colaboradores - e tivemos a sinalização da ajuda da Prefeitura de Penedo em patrocinar para a disputa da Segunda Divisão de 2022", contou o mandatário.


O presidente do clube ainda afirmou que precisará contar com atletas da própria cidade do Litoral Sul alagoano: “Valorizar os atletas da cidade e Região próxima e contratando só reforços pontuais para a disputa da competição”.


O Penedense tem uma sala de troféus invejável, já que conquistou a 2ª divisão de Alagoas em 2000 e 2004, além de ser vice-campeão alagoano de 1966.


O olhar interno


Nada melhor do que um dirigente para comentar o momento do futebol alagoano. Em meio a tantas tristezas para torcedores de clubes extintos, ainda existem aqueles que conseguem ver seus clubes, mesmo que por um curto período durante o ano. Quem faz esse papel é o FF Sport, hoje oficialmente conhecido como FF Sport Atalaiense, pois mudou sua sede para Atalaia, justamente, para sobreviver. O presidente e fundador do clube, Francisco Ferro, fala abertamente sobre as dificuldades de sustentar e crescer no futebol.


“A maior dificuldade pra fazer futebol, não só aqui em Alagoas, é a falta de incentivo das empresas, que não investem e não acreditam no projeto, no trabalho dos clubes pequenos, da segunda divisão, infelizmente”, revelou.


O FF já rodou por diversos cantos de Alagoas, desde Maceió, até Igaci, Viçosa, Porto Calvo e agora Atalaia. Além disso, uma novidade para 2022 foi que o FF conseguiu uma vaga na Copa Alagoas, onde a FAF abriu para clubes também emergentes. Quem acompanha de perto, tem um olhar sobre essa nova abrangência de clubes. O jornalista Jânio Barbosa é dos que cobre a competição.



Por outro lado, o presidente Francisco Ferro também opinou sobre o motivo de existir tanta inatividade entre os clubes alagoanos.


“O principal fator para Alagoas ter tantos clubes extintos e inativos é o alto preço que se dá para manter um clube. Um clube da Segunda Divisão hoje, para fazer um trabalho como o FF Sport faz na base, você não gasta menos de 30 mil por mês. Então não é todo mundo que tem esse dinheiro. As altas taxas da CBF, FAF, anuidade, essas coisas para clube pequeno realmente é complicado. Eu acho que os clubes da segunda divisão deveriam ter um tratamento menos dispendioso, porque um clube da segunda divisão, que vive do próprio bolso, não tem patrocínio. Ele tem a mesma anuidade do CRB e CSA, que tem patrocínio e milhões envolvidos, infelizmente”, contou, e ainda revelou como consegue manter o seu clube.


“O desafio de manter o clube por tanto tempo como o FF, é o esforço que eu como gestor do clube e quem faz parte da direção do clube, que acredita que a gente tá no caminho certo. É muito árduo, mas a gente vai levando, vai ajeitando as coisas, e alguns jogadores que acreditam e vêem que o FF já colocou muitos jogadores no exterior, vem muitas vezes em busca de uma vitrine e uma oportunidade”, falou Francisco Ferro.


O presidente segue sonhando, ainda mais vendo o seu clube encarar de frente alguns clubes mais endinheirados do futebol alagoano.


“O meu sonho para o FF é um dia eu conseguir fazer com que esse clube fique autossuficiente. É difícil? É, mas não é impossível. A gente sempre vai buscando, com fé em Deus, muito trabalho, um dia quem sabe a gente não realiza esse sonho”, finalizou.


O interior profissional


O esporte em si também abrange diversas áreas, sejam econômicas, sociais e jornalísticas. Para aqueles profissionais da comunicação que comumente acompanham o dia-a-dia de clubes de futebol, entendem a estrutura e vivenciaram muitas histórias, fica bem mais fácil para falar do assunto.


André Avlis e Jânio Barbosa são dois jornalistas que estão muito próximos do futebol interiorizado, já que trabalham em Arapiraca, a segunda maior cidade alagoana. Em 2022 a cidade alcançou um feito que não acontecia desde 1994, que é ter dois clubes profissionais na elite do futebol alagoano. ASA e Cruzeiro representam a cidade. Porém, o próprio Cruzeiro é um exemplo de extinção e reativação


Em 7 de setembro de 1983 foi fundado o Esporte Clube Cruzeiro, na cidade de Arapiraca. O clube ficou popularmente conhecido como Cruzeiro de Arapiraca, ou Cruzeirinho. Entretanto, após anos de futebol profissional, paralisou suas atividades profissionais em 1997.


Depois de 22 anos no ostracismo e no fundo do poço, Arapiraca assistiu um novo Cruzeiro ser fundado. Entretanto, por conta de problemas judiciais do “Cruzeiro original”, foi necessário um novo CNPJ, portanto, um novo Cruzeiro nasceu, esse com o nome de Esporte Clube Cruzeiro Arapiraca, oficialmente fundado no dia 28 de maio de 2019, não herdando a história do antigo Cruzeiro. Apesar da situação inusitada gerar um pouco de polêmica na mídia e na boca do cidadão arapiraquense, o fato é que, oficialmente, o clube precisou de um drible para ressurgir das cinzas.


Como estão perto do dia-a-dia do futebol do interior, Jânio e André foram questionados sobre algumas coisas, relacionadas a temática.


Por que, na sua visão, tantos times foram extintos ou estão inativos em Alagoas? Quais as principais causas, na sua opinião?




Qual a sua visão sobre a mídia esportiva alagoana? Para você, ela favorece os clubes da capital em detrimento aos do interior?





Para você, qual o nível de importância dos times do interior, no Brasil e em Alagoas?





7 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page