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Transpondo barreiras: um ir e vir com inclusão

Atualizado: 29 de mar. de 2023

O transporte público gratuito como protagonista no acesso à saúde e qualidade de vida para pessoas com deficiência em Maceió


Texto de: Ana Beatriz Rodrigues, Kamilla Abely e Marcela dos Anjos



Roberto e seus amigos mostram o Cartão Vamu Especial. Foto: Ana Beatriz Rodrigues


Luís Fabrício Marques tem apenas 11 anos, enquanto Roberto Vieira tem cinco vezes a sua idade. Embora exista um espaço de tempo que os tornam totalmente diferentes, eles possuem algo em comum: ambos moram em Maceió e lidam diariamente com uma rotina de cuidados para tratamento de suas deficiências na capital alagoana.


Eles são usuários do transporte público, têm o direito de ir e vir pela cidade garantido por lei e utilizam o cartão Vamu, um sistema de bilhetagem eletrônica que permite pagamento por aproximação. Ao utilizarem os clássicos cartões Bem Legal ou Vamu, eles garantem o pagamento integral, meia entrada e gratuidade em qualquer ônibus urbano em Maceió. Assim como para Luís e Roberto, o Vamu se torna essencial na garantia da assistência necessária à educação, lazer e sobretudo à saúde de muitos cidadãos.


“O passe livre é um direito garantido por lei que contribui para a inclusão social das pessoas com deficiência, ajudando a superar limites e a de locomover com liberdade". Essa é uma das primeiras frases contidas na cartilha da gratuidade no transporte público, lançada em 2015 pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sendo reforçada pela Lei Municipal de n.º 6.370 de 17 de março de 2015, que estabelece o passe livre para pessoas com deficiência, desde que residam em Maceió.


Essa lei garante que seja assegurada a gratuidade no Sistema de Transporte Público de Passageiros, sobretudo às pessoas com deficiência ou que tenham uma doença incapacitante, como é o caso de Luís e Roberto. Isso inclui deficiências: físicas, auditivas e/ou visual de forma total ou parcial, mental, autismo e deficiências múltiplas. A pessoa que possui alguma das doenças previstas no artigo 2º desta lei pode se cadastrar na Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), localizada na Avenida Durval de Góes Monteiro, no bairro do Tabuleiro do Martins, para garantir o benefício, que pode ser estendido para um acompanhante em casos de necessidade comprovada.


De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo menos 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, número que representa pelo menos 24% da população do país em 2021. No que diz respeito aos dados estaduais, em pesquisa realizada no ano de 2019, a organização contabilizou que mais de 9% da população alagoana possuía algum tipo de deficiência.


Essa porcentagem representa mais de 300 mil pessoas e entre as ações governamentais para assegurar a representação dessa população está a criação da Secretaria de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef), no ano de 2023. A secretaria é comandada pela assistente social Aline Rodrigues dos Santos, especialista em Direitos e Políticas Públicas.


Anteriormente, no entanto, a defesa desses direitos era de responsabilidade apenas das secretarias do Estado da Saúde (Sesau) e da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades), por meio da Coordenação de Política Estadual de Reabilitação - responsável pela Supervisão de Cuidados à Pessoa com Deficiência (Suped) - e do Núcleo de Apoio à Pessoa com Deficiência (NAPD), respectivamente.


De acordo com a secretária da pasta, a Secdef tem como prioridade o lançamento do Censo da Pessoa com Deficiência para compreender as necessidades específicas dessa população e, a partir disso, buscar soluções coerentes. Apesar de definir a demanda como urgente, o prazo para o início dessa contabilização ainda não foi divulgado pelo novo órgão.


Para garantir uma vida digna a essas pessoas, é preciso investir em políticas públicas voltadas para a pessoa com deficiência, em especial assegurar o direito de ir e vir desse público para que ele possa ter as mesmas condições e oportunidades de uma pessoa sem deficiência.


Segundo informações do Sindicato de Transportes Urbanos (Sinturb), na capital alagoana, cerca de 11.719 pessoas possuem o cartão Vamu na categoria especial ou especial com acompanhante. O passe, que garante passagem gratuita, pode ser feito em qualquer momento na sede do Vamu, localizada na Avenida Buarque de Macedo, no centro da cidade, e deve ser renovada anualmente.


A gratuidade permite que as pessoas possam desfrutar de autonomia e liberdade para viverem suas vidas com uma maior qualidade de vida, livre de barreiras físicas, sociais e estruturais, como explica o advogado Julius Egon, especialista em direito da pessoa com deficiência.


Egon esclarece que as Pessoas com Deficiência (PcD) têm direitos intransigíveis por lei, e devem ter amparo à lei, assim como é demonstrado no site Vamu.


“Mobilidade é a capacidade de pessoas e cargas se deslocarem nas cidades visando à execução de suas atividades. Já a acessibilidade é quando damos todas as ferramentas para que as pessoas consigam atingir e chegar aos destinos desejados. Questões simples que passam despercebidas, temos diversas leis que determinam a acessibilidade, principalmente para cadeirantes, e hoje, felizmente, já vemos uma grande quantidade de iniciativas que integram e incluem, de fato, esse público, como ônibus com elevadores e lugares reservados para cadeirantes, por exemplo”, enfatiza o advogado.


A mobilidade gratuita na prática


Dependente dessa mobilidade para ter acesso aos serviços básicos, o Luís Fabrício Marques foi diagnosticado com a Trissomia 21, conhecida como Síndrome de Down. Desde os três meses de idade, o pequeno adquiriu o passe livre para que pudesse ter acesso a seus tratamentos de saúde a partir do transporte gratuito. Luís frequenta a instituição filantrópica Amor 21, que presta assistência a familiares e pessoas com Síndrome de Down, e também utiliza os ônibus para ir à escola.



Luís Fabrício é atendido pela instituição Amor 21. Foto: Cortesia


A Síndrome de Down é uma alteração genética causada por uma divisão celular atípica durante a fase embrionária. Essa doença não tem cura e pode causar diversos problemas de saúde em quem a tem, desde problemas físicos a problemas cardiovasculares e dificuldades relacionadas ao intelecto. Atualmente, uma pessoa diagnosticada com Down e com o acompanhamento multiprofissional consegue levar uma vida tranquila, com ferramentas necessárias para vencer os obstáculos da doença.


Para pessoas como Luís Fabrício, a gratuidade no transporte público é a garantia de que ele possa ir e vir de uma forma mais econômica, facilitando o acesso a seu tratamento de saúde e outras atividades importantes para o desenvolvimento. A mãe de Luís, Flávia Marques, conta que as atividades são essenciais para que ele continue crescendo saudável e independente. “A educação física ajuda no fortalecimento do corpo e no desenvolvimento motor, proporcionando mais equilíbrio. Essas atividades, embora lúdicas, têm o objetivo não só de exercitá-lo, mas também de garantir que ele tenha força no dia a dia para realizar tarefas sem o auxílio de um adulto”, reforça.




Todas as sextas-feiras depois do almoço, quando o ônibus chega próximo de sua casa, localizada no bairro Petrópolis, Luís e sua família embarcam nas linhas 710 - Chã da Jaqueira / Ponta Verde ou 101-Chã da Jaqueira via João Sampaio com destino a sede da instituição Amor 21, que fica na Pitanguinha, aproximadamente 8 km de distância de onde moram. Semanalmente Luís se consulta com uma equipe multidisciplinar, formados por: psicopedagoga, educação física, fonoaudiologia e fisioterapia.

Luis ama suas aulas de educação física. Foto: Cortesia


O Amor 21 é uma organização filiada à Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) e formada por pais, familiares e amigos de pessoas com Síndrome de Down, que promove serviços como psicologia, educação física, apoio pedagógico, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, musicalização, dança, culinária e nutrição com o intuito de alcançar a inclusão efetiva dessas pessoas e promovendo a garantia de seus direitos.


Como acompanhante ativa do filho em suas consultas, a mãe de Luís relata como a instituição tem feita diferença na vida do filho: “Luís é um menino tímido, mas perde sua timidez na hora de realizar os exercícios, principalmente quando vai correr, jogar futebol ou lutar capoeira”, comenta Flávia.


Para que o acesso ao Amor 21 e seus recursos seja possível para famílias de baixa renda conseguirem dar continuidade ao tratamento dos filhos que, na maioria dos casos, são submetidos a vários procedimentos desde cedo, o passe livre tem sido indispensável, como destaca Antônio de Pádua, Relações Institucionais da organização:



Guilherme reforça o impacto do passe livre para pessoas com baixa renda portadora da Síndrome de Down.

Foto: Cortesia


“O passe livre é muito importante, principalmente se a gente tiver em mente que muitas vezes a família precisa se deslocar várias vezes para vir até aqui ou em outras clínicas, e esse deslocamento é custo. A gratuidade, além de dar o acesso à saúde, é de extrema importância para as famílias mais pobres, o que não é tão difícil. Aqui temos muitos casos de pessoas que dependem desse transporte gratuito para trazer o filho(a) até o Amor 21.", ressalta Pádua.




Vinculado à Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal) desde seu início, em 1981, devido à poliomielite - também conhecida como paralisia infantil -, Roberto José Vieira, de 55 anos, fala com orgulho da instituição e expressa a satisfação a respeito da facilidade na aquisição do cartão Vamu, explicando que basta estar com os documentos necessários em mãos para concluir o processo sem maiores dificuldades.


Em seu trajeto no retorno diário para casa, após passar a manhã na sede da Adefal, Roberto ressalta como a gratuidade no transporte faz diferença em sua rotina, possibilitando o acesso a médicos, à própria Adefal, bem como a outros compromissos.



Roberto é morador do bairro do Bom Parto e sente na pele a falta de acessibilidade. Foto: Marcela dos Anjos


“Só quem entende realmente a realidade da pessoa com deficiência é aquele que é deficiente ou convive com um”, explica o cadeirante. Para estimular essa compreensão, nós, da equipe de reportagem, acompanhamos Roberto durante sua volta para casa, com o intuito de mensurar minimamente os obstáculos enfrentados diariamente por ele e a contribuição do transporte coletivo nessa jornada. Confira o vídeo abaixo:




Sendo considerada de utilidade pública municipal, estadual e federal, a Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal) é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos credenciada ao Sistema Único de Saúde desde 2001 e reconhecida com o prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2004, concedido pela Presidência da República. Entre os serviços ofertados pela organização estão suportes de ordem social, jurídica e médica nas mais diversas áreas, que atendem a cerca de 1500 pessoas diariamente.


A localização da instituição ser próxima a um ponto de ônibus, como é possível visualizar no vídeo acima, é um dos fatores que incentiva seus participantes a utilizarem o transporte coletivo como meio de locomoção e transforma o passe livre em um item indispensável para o dia a dia.



A presidente da Adefal, Graça Dias, destaca a importância do passe livre municipal para a fortalecer a inclusão: “O passe livre municipal, através do Cartão Vamu Especial, é uma ferramenta importante no processo de inclusão e de inserção efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, garantindo, assim, o direito de ir e vir da pessoa com deficiência, não apenas para o tratamento médico, mas também para a participação nas atividades de lazer, esporte, cultura e educação.”




Para além da lei, a sua prática


A gratuidade é um grande passo, mas não é o único. O Vamu Especial possibilita garantir e facilitar a mobilidade, mas é preciso exercer na prática todo esse sistema. Os ônibus urbanos em Maceió seguem um protocolo rígido para garantir que, durante as viagens, os cidadãos tenham a acessibilidade necessária para se deslocar para qualquer parte da cidade. Essa iniciativa também inclui inspeções diárias nos elevadores e o suporte de canais de comunicação direta com usuário, disponíveis não apenas para denúncias, mas também para contribuições. Para entrar em contato com a SMTT e sugerir melhorias possíveis, clique aqui.


De acordo com André Costa, superintendente da SMTT, a prefeitura de Maceió atua na busca pela melhoria dos serviços através da manutenção da frota: “Trabalhamos firme na renovação da frota, com ônibus equipados com elevadores de acesso, duas vagas para cadeirantes, ar-condicionado, entre outras. O investimento é feito para que o cidadão se sinta confortável e que estes tenham um bom atendimento, sem falar na fiscalização nos terminais, para garantir que nenhum ônibus saia do terminal sem que esteja preparado para atender esse público”, complementa André.


No início de novembro, a SMTT recebeu representantes do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência para melhorias transporte público da capital, uma das exigências foram a aquisição de novos ônibus, para que veículos antigos e com defeito nos elevadores não circulem.


Roberto utiliza os elevadores dos transportes públicos e relata nem sempre funciona os elevadores adequadamente, Foto: Marcela dos Anjos


“Ouvimos as pautas e já apresentamos as respostas para os representantes da entidade. Nós da SMTT estamos sempre dispostos a entender as solicitações da população. Tentemos ainda em 2022 entregar 28 ônibus e 60 até julho de 2023”, comenta Costa, sobre o encontro.

Até a publicação dessa reportagem, no entanto, não foi possível obter o retorno da assessoria da SMTT sobre o avanço na renovação da frota.


Apesar de existirem iniciativas para tornar o transporte público acessível a todos os públicos, as especificidades de deficiências como o autismo impossibilitam a utilização dessa forma de locomoção por esses usuários, uma vez que eles são intolerantes a ambientes com uma grande quantidade de pessoas, que exigem um intervalo de tempo longo e sem controle sonoro.

Entenda como realizar seu cadastro


Para ter acesso aos cartões Vamu Especial e Especial com Acompanhante, o atendimento pela Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) deve ser agendado no portal Online Maceió por meio de um cadastro que exige nome completo, CPF, endereço de e-mail e telefone para ser concluído. Em seguida, é necessário o comparecimento na sede da SMTT, localizada no bairro do Tabuleiro do Martins, parte alta da capital, na data agendada e com os seguintes documentos necessários em mãos (clique aqui para visualização detalhada):

  • RG e CPF, da pessoa que receberá o passe livre e daqueles com quem reside;

  • Comprovante de residência atualizado, com no máximo três meses de emissão, que esteja no nome do solicitante ou de um dos residentes (Energia, Água, Fatura ou Carta Registrada);

  • Comprovante de renda familiar atualizado, com validade de três meses,

  • Atestado médico, fornecido pela SMTT e preenchido, assinado e carimbado pelo médico da rede pública que acompanha o usuário;

  • Receita médica com, no máximo, três meses, assinada e carimbada pelo médico (caso faça uso de medicamentos);

  • Exames complementares com prazo de validade de um ano;

  • Comprovante de inscrição no CadÚnico – Programas Sociais, com o número do NIS do usuário do cartão.

Para as pessoas que vão realizar o cadastro pela primeira vez, além dos documentos solicitados, é preciso levar duas fotos 3x4, coloridas e atualizadas. Caso o usuário seja menor de idade, é necessário apresentar as originais e cópias do RG e CPF dos responsáveis. Se não possuir RG, pode substituir pela certidão de nascimento.


O Cartão Vamu Especial é a garantia do direito de ir e vir das pessoas com deficiência em Alagoas. Foto: Ana Beatriz Rodrigues


É importante lembrar que, para possuir o Vamu Especial, é necessário que o cidadão tenha alguma doença que seja diagnosticada como incapacitante ou pessoa com deficiência (PcD), morar em Maceió e ter renda familiar de até quatro salários mínimos.




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