Por Isabelle Guedes e Vitória Ester Costa
Qual pedestre nunca andou em uma calçada incompleta? ou até mesmo na pista, desviando de carros? E como motorista, passou por buracos e enfrentou trânsito de horas. As duas situações são exemplos de problemas de mobilidade urbana, comum a todos que transitam. Quando pensamos em mobilidade urbana, logo nos vem à mente a questão do trânsito, mas ela não se reduz somente a isso. Esse tema deve ser pensado a partir do momento que o cidadão coloca os pés para fora de casa, pois viabiliza a vida em sociedade.
Mobilidade trata-se do deslocamento, tanto de pessoas, quanto de veículos e a necessidade de traçar planos para obter qualidade nesse deslocamento. Entende-se, neste caso, meios de transporte utilizados e os espaços usados para transitar: ciclovias, calçadas, pistas, estradas etc, além das dificuldades enfrentadas pelos transeuntes.
Pensando sobre as dificuldades passadas no transporte público, Dona Joseane Souza, de 46 anos, é um exemplo. A moradora do bairro do Clima Bom, se desloca cerca de 18 km para chegar ao seu trabalho, localizado no bairro da Ponta Verde. Tal deslocamento lhe custa em torno de 1 hora e 20 minutos e quase sempre, ela vai em pé no coletivo, que está cheio por causa do horário de pico. O exemplo de Dona Joseane, é a realidade da maioria dos maceioenses que fazem uso do transporte coletivo. Segundo o Jornal de Alagoas, estima-se que a capital alagoana conta com cerca de 350 mil usuários e 661 ônibus circulando. A conta, que supostamente deveria ‘’bater’’, não é o que observamos, já que a superlotação é um problema recorrente.
Dentro do leque de possibilidades dos meios de transporte disponíveis, observa-se que a capital alagoana deixa a desejar neste aspecto. A cidade, assim como outras capitais brasileiras, segue o modelo feito para automóveis, proveniente do modelo norte-americano de mobilidade. A consequência disso é a falta de suporte para todos aqueles que usam outros meios de transporte, suporte esse que deveria ser oriundo de um plano de mobilidade urbana. De acordo com o arquiteto Renan Silva, a cidade não possui planejamento urbano, e nesse sentido, também não possui plano de mobilidade urbana, apenas projetos avulsos feitos por instituições públicas e privadas. A exemplo disso, a capital alagoana tem um prazo de dois anos - anteriormente já prorrogados - para instituir a Lei 12.587, que trata da obrigatoriedade da existência - e implementação - de um plano de mobilidade para qualquer cidade acima de 20 mil habitantes.
TRANSEUNTE SOBRE DUAS RODAS
A necessidade de traçar um plano para garantir, obrigatoriamente, a criação de mais ciclovias e ciclofaixas ou rampas, traria uma série de benefícios para os transeuntes. Dentre eles, o estudante Lucas Rocha, de 22 anos, que é usuário de cadeira de rodas. O jovem comenta sobre as dificuldades enfrentadas no seu dia a dia a respeito de mobilidade. ‘’A acessibilidade de Maceió é horrível, sendo uma questão social e cultural mesmo. Todos os dias vários problemas são enfrentados: falta de nivelamento na calçada, passarelas muito íngremes, carros obstruindo rampas ou até mesmo não ter rampa onde estou passando.’’ Lucas também relata que tem medo de ser atropelado ao andar pelas ruas, pois, além do problema de mau nivelamento das vias, há trechos que sequer possuem calçadas.
O aspecto social da falta de acessibilidade é facilmente observado no dia a dia, uma vez que muitas escolas não possuem a estrutura necessária para incluir uma pessoa com deficiência, o que acaba afetando diretamente no desenvolvimento inicial das relações interpessoais. Não é preciso ir longe, basta olhar em seu cotidiano, quantos cadeirantes você conhece, que conseguem se locomover sem problemas em Maceió? Desde sempre o deslocamento de Lucas é visto como uma dificuldade, na época do uso frequente de táxis, muitas vezes sua mãe teve que pagar, a parte, pelo transporte da cadeira de rodas. Com a implementação de carros de aplicativos, essas situações não diminuíram, apenas mudaram de nome.
Desde a sua saída de casa, Lucas observa os empecilhos durante o seu deslocamento: a impossibilidade de sair sozinho por falta de infraestrutura é um deles. O estudante, que faz uso de transporte público, necessita de auxílio para driblar as calçadas acidentadas, a tarefa de pegar um ônibus se torna mais acessível quando acompanhado. Uma das dificuldades enfrentadas nos coletivos é o embarque, que deve ser feito pelo elevador. De acordo com o Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM), dos 660 coletivos que rodam na cidade de Maceió, 618 contam com elevadores de acessibilidade, mas uma queixa recorrente é a questão da falta de manutenção desse equipamento.
A ESCOLHA PARA LOCOMOVER
Segundo dados da SMTT, mais da metade dos Maceioenses fazem uso de transportes viários para se locomover, isto é: motos, carros, ônibus, entre outros. São cerca de 375 mil veículos registrados circulando na cidade, que são escolhidos como transporte principal por algumas razões, principalmente o carro, mas a escolha não é tão viável. Um cálculo feito pelo economista Guilherme Vianna, mostra que o Brasil perde cerca de 4% do PIB devido a todo o congestionamento. Segundo o arquiteto e urbanista Renan Silva:
A escolha de meios de transporte alternativos, mais sustentáveis e econômicos, não surge a partir somente da escolha pessoal, mas sim da mobilidade proporcionada pela cidade. Aqui, serão observados alguns aspectos para determinar se alguém irá ir ao trabalho de bicicleta ou carro, os mais vistos são segurança e infraestrutura. A bicicleta, ainda que tenha benefícios consideráveis, muitas vezes, não se torna uma opção, quando pensamos em deslocamentos.
Os ciclistas devem tomar alguns cuidados para pedalar com segurança, como por exemplo, usar capacete, campainha, sinalização dianteira, espelho retrovisor esquerdo, e claro, ter bastante atenção. De acordo com uma pesquisa da associação de ciclistas urbanos, Maceió possui pelo menos 9 mil pessoas que fazem o uso da bicicleta, pelas principais rotas de locomoção da cidade. O número vem crescendo com o passar dos anos, devido a implementação de políticas públicas que facilitam o acesso do cidadão a determinados pontos da cidade.
Entretanto, nem sempre foi assim, como relata Rosângela Ferreira, de 61 anos: "Na época que eu andava de bicicleta, há mais de 10 anos, ia para todos os lugares, do aeroporto até a orla, mas nunca foi fácil. Muitas vezes eu tinha que ir no canto da pista para não ser atropelada, e outras vezes tinha que disputar com pedestres. Maceió não tem estrutura para os ciclistas, sem falar nos próprios motoristas de carro e de ônibus que não nos respeitam. Até na orla, que serve de vitrine da nossa cidade, não era lá essas coisas. Eu deixei de andar de bicicleta quando caí num buraco, perto de casa, e soube que estavam marcando minha rotina para me roubar. Eu prezo pela minha segurança acima de tudo.”
As dificuldades são inúmeras, desde a falta de infraestrutura das vias, até a segurança fora delas, levando em conta que os problemas vão além de buracos. Muita gente deixa de se deslocar de bicicleta, com receio de ser assaltado. Sem contar no medo que faz andar ao lado de veículos de grande porte, em uma avenida movimentada. Apesar de ter um potencial grande de expansão, a capital alagoana ainda fica atrás de várias cidades. Durante o período da pandemia de covid-19, em Fortaleza, foi construído uma malha cicloviária equivalente a que Maceió tem no total; a título de informação, Maceió possui apenas 41 km vias para ciclistas, ou seja, ainda tem muito a ser trabalhado.
Veja as 5 cidades com maior malha cicloviária do Brasil:
MACEIÓ DO FUTURO
Maceió tem passado por uma série de alterações recentes referente a mobilidade urbana nos últimos 10 anos. Uma das mudanças foi o passe livre, medida que garante até 44 passagens gratuitas por mês para estudantes matriculados na rede pública ou privada na capital alagoana. Nessa direção, falando de transporte público, houve a implantação do VAMU, novo sistema de bilhetagem eletrônica. A mudança traz consigo alguns benefícios e modernidade, como um aplicativo próprio para efetuar recarga, e a possibilidade de usar cartão comum de crédito ou débito para pagar a passagem. Outra modificação - ainda inacabada - é a ciclovia da Avenida Fernandes Lima, que trará cerca de 10km de um percurso seguro para os ciclistas. Tais implementações têm como intenção aumentar o uso de outras formas de locomoção na cidade, e promover a aderência da população para esses meios alternativos, no qual o carro sempre pareceu a melhor opção.
Ainda falando das mudanças que irão beneficiar os mais de 700 mil usuários de meios de transportes viários, é válido ressaltar que essas modificações nem sempre solucionam questões maiores acerca da mobilidade urbana. Mas é inegável que facilita a vida de quem se desloca a grandes distâncias, ou distâncias até mesmo curtas, que quase sempre estão congestionadas. Observe alguns exemplos dessas alterações positivas no Gif abaixo:
O OUTRO LADO DA PARTE BAIXA
Apesar da parte baixa da cidade receber mais atenção por parte da gestão pública, devido ao grande fluxo de turistas na região, ainda há muitas falhas. De acordo com um projeto urbano desenvolvido por alunas do Centro universitário CESMAC, o bairro da Jatiúca, por exemplo, apresenta um problema encontrado nas grandes cidades: o crescimento desenfreado. É inegável que devido aos problemas estruturais da cidade de Maceió, causados pela empresa petroquímica Braskem, muitas pessoas precisaram ser realocadas, o que ocasionou um aumento repentino na população de determinados bairros, e principalmente nos da parte baixa da cidade.
Muitas obras no bairro em questão estão inutilizadas, ou seja, esses terrenos acabam não servindo nem para a construção de um comércio que suporte a nova demanda, e nem tampouco para possíveis estacionamentos; medida essa que auxiliaria a liberar o fluxo de carros e pessoas. No projeto, também foi observado a questão do saneamento básico, que por sinal é um problema em toda Maceió. No momento em que essa reportagem está sendo publicada, apenas em um dia, choveu o equivalente a 60% previsto para o mês de fevereiro inteiro. Quando as fortes chuvas chegam, não há o que fazer, os bairros alagam. É uma questão de saneamento que precisa ser resolvida o quanto antes, pois, de pedestres a carros, todos acabam ficando ilhados em situações como essas.
O problema de superlotação de uma área urbana, causa o movimento de migração pendular, que gera uma cultura excludente das áreas periféricas. Isso significa que o tempo para ir de um extremo da cidade a outro, é totalmente diferente quando nos referimos ao deslocamento para as áreas que não são consideradas centros urbanos. Além da locomoção limitada, a cidade acaba enfrentando um grande problema de desigualdade social. Como comenta a professora universitária de arquitetura e urbanismo, Carlina Rocha:
CULTURA DA PARTICIPAÇÃO
Toda e qualquer mudança para um público deve surgir a partir das necessidades, e para isso, devem haver consultas. A professora universitária, arquiteta e urbanista Carlina Rocha comenta: ‘’Quando você inclui as pessoas nesse processo, você traz a responsabilidade para elas também e elas cobram as autoridades sobre isso. É uma cultura de participação.’’ Estas característica comentada pela arquiteta, englobam aspectos do Urbanismo Tático, veja o vídeo abaixo:
O planejamento urbano de uma cidade deve inserir ações rápidas como estas do urbanismo tático. Desse modo, os vazios urbanos encontrados nos bairros da capital, poderiam ser aproveitados para a inserção de lugares atrativos. A revitalização desses espaços geraria um interesse maior do indivíduo em se locomover a pé por esses locais, incentivando a prática do exercício físico, como por exemplo, a caminhada.
Sabendo que essas ações estão dentro de um planejamento urbano, que requer a mínima participação dos cidadãos, reunimos queixas de transeuntes maceioenses acerca dessa falta de planejamento:
E você, mudaria o que na mobilidade urbana em Maceió?
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