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Mobgrafia, a democratização da fotografia

Oficinas da 9° bienal do livro de Alagoas abrem as portas da fotografia à grupos sociais distintos

Por Dálet Vieira e Leonardo Jorge


Uma expressão artística sempre está sujeita a mudanças importantes em sua linguagem e em seus modos de uso. Um avanço tecnológico é capaz de propiciar evoluções gigantescas e mudar práticas até então estabelecidas nas diferentes formas de artes. A fotografia, por exemplo, por quantos progressos passou desde as primeiras experiências de Daguerre com chapas de metal sensibilizadas com halogeneto de prata e reveladas em vapor de mercúrio até os smartphones dos dias atuais com suas câmeras frontais e capacidade de armazenar infinitas selfies?


Os avanços tecnológicos também mudaram as relações afetivas que essa arte ajudou a estabelecer. O álbum de fotografias que, antes, ficava a um canto de nossa casa, empoeirado, , com as fotografias de nossa infância sendo deterioradas pelo tempo, está dando passagem às galerias de fotos armazenadas nas nuvens, às redes sociais cuja finalidade não é mais guardar uma memória de um certo momento de nossas vidas, mas responder a uma necessidade social de status.

Mas um smartphone ultramoderno não possui somente a utilidade de tirar fotos da curtição de um fim de semana, suas câmeras de alta resolução e grande capacidade de armazenamento torna este aparelho uma aceitável alternativa à uma câmera profissional. Segundo a 30° Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), existem 230 milhões de celulares ativos no país. Uma consequência disso é a democratização de acesso à essa expressão artística. Cada cidadão ter acesso à fotografia gera uma potência política enorme, além de fortalecer a expressão de certos grupos sociais marginalizados e criar novas tendências culturais.


Uma nova tendência que surgiu nos últimos anos é o Mobgrafia, a arte de fotografar com o celular. A Mobgrafia é uma forma de democratização a essa arte, agora não pode tirar fotos somente aqueles que possuem um poder aquisitivo para comprar uma boa câmera digital e seus acessórios necessários, como, por exemplo, lentes e cartões de memória. Possuir uma câmera potente, no entanto, não é garantia de boas fotos. A fotografia como arte ainda preserva princípios básicos que devem ser seguidos para a construção de uma boa foto. Pensando nisso dois fotógrafos profissionais propuseram, nesta 9° bienal do livro de Alagoas, oficinas de fotografia cujos objetivos eram apresentar a linguagem a grupos sociais distintos: no primeiro a um grupo dos movimentos sociais com fins políticos e o segundo a deficientes auditivos e alunos da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro da cidade de Maribondo.


Gregory Aguiar ministrou uma oficina ao qual tinha intenção de apresentar a linguagem fotográfica como forma de empoderamento. Negro, militante político, Gregory é coordenador do curso de estradas do Campus Maceió do Instituto Federal de Alagoas. Apesar de sua formação em Engenharia Civil, o professor sempre cultivou sua paixão pela arte de capturar imagens. “ A fotografia tem a função de trazer à luz esses elementos, de denunciar o racismo, de abordar questões como os direitos das mulheres e da diversidade sexual”, diz. Ano passado, consciente da falta de atividades relacionada à fotografia dentro do instituto, lançou um projeto de extensão com o fim de utilizar tal ferramenta como empoderamento e questões terapêuticas; assim surgiu o Fotoifal.



Na edição do ano passado, foi abordado a questão do empoderamento negro e a deste ano traz uma abordagem feminista. A funcionária pública Dulce Lima, participante da edição deste ano, explica como funciona o projeto. As aulas teóricas são acompanhadas de debates sobre temáticas feministas e étnico raciais, ampliando, dessa forma, os conhecimentos políticos dos participantes. Dulce sempre gostou de fotografar, é adepta da Mobgrafia há alguns anos, quando saía para a rua movida por suas inquietações de representação da capital alagoana na mídia, caçava imagens de uma Maceió alternativa, das periferias, pouco representadas na mídia. A funcionária pública sempre sentiu a necessidade de aumentar seus conhecimentos teóricos, procurou aulas na internet, até se deparar com o edital do projeto de extensão fotoifal, quando fez sua inscrição para participar. Para uma exposição sobre direitos humanos que ocorreu no espaço Rex Jaraguá na Bienal, Dulce escolheu o tema precarização do trabalho: “Tirei fotos de trabalhadores informais que estão nas ruas, nos ônibus, que não tem direito a férias, à décimo terceiro, a seguro social nenhum", esclarece.


A oficina contou também com a participação da estudante de biologia da Ufal, Darllanny Araújo. Feminista, a estudante sempre gostou de fotografar, mas nunca se importou com a técnica. Além dessas questões sociais e políticas, Darllanny pensa em utilizar o que aprendeu na oficina em seu trabalho como bióloga no meio da natureza para fotografar espécies de animais. “Eu fotografava com a câmera da minha amiga algumas vezes, mas nunca fui adiante, por que não consegui fazer um curso que queria fazer”, confessa.


No dia dez de novembro, último dia da bienal, a sala cinco do pavilhão das oficinas recebeu a oficina de fotografia de Gustavo Boroni, co-fundador do coletivo Estampa Pop e fotógrafo profissional de moda. Gustavo teve a ideia de ministrar pela primeira vez uma oficina à deficientes auditivos, para isso convidou um intérprete de libras e alguns deficientes auditivos para participar da aula. “Foi a primeira vez que eu fiz uma oficina com intérprete em libras, espero que continuem, mas foi a primeira vez”, comenta. Além disso, um grupo de alunos e professores da escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, da cidade de Maribondo, localizada no agreste alagoano, foram encaminhados pela organização do evento à oficina assim que chegaram à bienal.

A primeira parte da aula foi um resumo teórico de alguns aspectos da linguagem fotográfica, com muitas brincadeiras e dinâmicas para envolver os alunos que, no princípio, estavam bastante tímidos. A segunda parte foi uma aula prática, o instrutor levou a turma até a praça dois leões e os ensinou alguns exercícios: a focar um objeto no primeiro plano e desfocar o segundo plano e vice-versa; a fotografar um prédio antigo a tirar a foto de uma pessoa valorizando a paisagem ao seu redor.


Emanuel Tiago, aluno da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, foi um dos alunos mais participativos nas duas partes da aula. Emanuel já fotografava antes, mas a primeira experiência teórica foi positiva para fazê-lo pensar em seguir no ramo. “Agora eu vou querer ser fotógrafo, depois dessa experiência vou querer comprar uma câmera boa, falar com meus pais, eles não têm condições, mas vou tentar”, comenta.


Bienal: a menina que vem crescendo em Alagoas


Este ano a IX edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas aconteceu no Jaraguá. Entre os dias 1 a 10 de novembro, um dos bairros mais antigos da capital alagoana foi tomado por atrações artísticas, exposições, lançamentos e feira de livros que alcançaram mais de 300 mil pessoas, de acordo com a comissão organizadora. Para maior segurança, comodidade e organização, a Rua Sá e Albuquerque ficou interditada durante todo o evento que distribuiu suas atividades nos prédios públicos, praças e igrejas. Diversas escolas de todo o estado se fizeram presentes e puderam prestigiar a programação que deu a oportunidade de expandir os conhecimentos e tornar a aprendizagem mais dinâmica.


O tema de 2019 não poderia ser mais significativo “Livro aberto: leitura, liberdade e autonomia”. A Bienal se expandiu e deixou de ser um evento restrito em um único espaço. Ela tomou as ruas, levou conhecimento e disseminou a conscientização para que o bairro recém revitalizado fosse visto como um potencial espaço para a produção de outros eventos. Não era incomum ver pessoas encantadas com a beleza do bairro e uma programação vasta que abarcou todos os públicos.


A primeira edição é considerada a feira de livros que acontecia na própria universidade e no espaço armazém, a segunda foi no Clube Fênix e a terceira até a oitava foram no Centro de Convenções. Uma das coordenadoras contou um pouco sobre o novo formato e deu ênfase de que as próximas Bienais também irão ser feitas em espaços abertos, possivelmente se consagrando no bairro de Jaraguá. “Eu costumo dizer que a Bienal é uma menina, e a menina está crescendo”, afirmou Carol Ribeiro, formada em Relações Públicas e que foi monitora do evento desde a sua segunda edição, atualmente fazendo parte da coordenação. Além disso, a Bienal Internacional do Livro de Alagoas é a única no país totalmente gratuita e feita por uma Universidade Federal. Toda a realização conta com parcerias do estado e empresas privadas, que tornam as edições completamente acessíveis e inclusivas.


Com tantas novidades, também surgiu a ideia de ser uma Bienal sustentável. Em que a divulgação e programação do evento foi em sua maior parte online. Todos poderiam consultar os acontecimentos no site oficial e no Instagram com atualizações diárias e suporte de jornais e tevês locais. Ainda, as livrarias presentes na feira de livros que ficou situada no Espaço Armazém, tiveram a orientação de não utilizarem sacolas de plástico. “Pedimos para que os expositores utilizassem sacolas de papel ou plástico biodegradável, e a gente tentar produzir o mínimo de lixo possível” disse a coordenadora Carol.


Presença da fotografia na Bienal


Jaraguá emite história e cultura, como um grande acervo artístico a céu aberto que está disponível a todos aqueles que quiserem se inteirar mais a respeito da biografia alagoana. A beleza da arquitetura histórica dos prédios, pôde ser observada por todos aqueles que visitaram o ambiente. Os registros fotográficos tiveram um espaço importante nessa edição, e não apenas se tratando em documentar o local. Quem participou teve a oportunidade de se debruçar na fotografia e observar sobre a ótica artística e documental. Além do mais, as oficinas trouxeram incentivo para que as pessoas colocassem em prática o que aprenderam e o que viram. A democratização da programação proporcionou temáticas pertinentes e que despertam maior integração entre os participantes.


Dentre tantos temas abordados na programação, a fotografia esteve presente em exposições, rodas de conversas e oficinas. Era possível se deparar com registros em diversos âmbitos, no Arquivo Público os passantes poderiam conhecer lugares históricos de Maceió através das fotos. Na Associação Comercial, a exposição sobre a Lagoa Manguaba interessou muitos visitantes que passaram por lá. Adultos e crianças se encantaram com os registros da laguna que é a maior do estado e fica situada no litoral e possui uma área de 42 km e profundidade média de 2,10 m.


As fotos em preto e branco da exposição do fotojornalista Pablo de Luca, aumentaram o fluxo de visitantes no piso superior da Associação Comercial. “Lagoa Manguaba. Ilhas, Canais e Pescadores” é tanto artística quanto documental, traz a lagoa, um tanto desconhecida para alguns, como um berço de diversidade e beleza. São registros que contam histórias e evidenciam o cotidiano dos moradores. “Fotografia é cultura, estou trazendo aqui informações que muitas pessoas desconheciam, através de fotos”, disse o argentino Pablo de Luca que está em Alagoas a 37 anos e já trabalhou em alguns veículos de comunicação do estado.


A narrativa visual se comunica com quem a prestigia e não era incomum encontrar pessoas se identificando com as composições visuais. A Bienal forneceu espaço para a leitura para além dos livros. “As pessoas pensam que vão para uma Bienal e só irão ver livros. Mas livro aberto (tema deste ano) engloba várias manifestações culturais. A fotografia vem para somar, com as exposições os visitantes também fazem leituras. A leitura de imagens que também é importante em um evento como este”. Comentou o fotógrafo.

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