Com participação em oficinas de aprendizagem e espaço para a divulgação de autores regionais, público marca presença e aprecia as atrações nas ruas
Por João Victor Teixeira e André Paschoal
É justamente no bairro histórico de Jaraguá, considerado, por muitos, o berço da capital alagoana, que diversas memórias que compõem a narrativa da cidade de Maceió estão situadas. O bairro que inicialmente era uma vila, comportando uma aldeia de pescadores, foi ganhando expansão a partir da instalação do Porto de Maceió, importante atrativo econômico nacional e internacional, sendo o precursor do desenvolvimento da capital alagoana.
Na segunda metade do século 20, já por volta dos anos 90, o bairro entrou em processo de decadência devido a saída do comércio e de seus moradores. De tantas histórias para contar e muitas outras para ainda serem escritas, Jaraguá guarda hoje, em suas ruas, lembranças marcantes presentes nos prédios e casarões, que ainda conservam o estilo arquitetônico do século XIX.
Foi nesse cenário que ocorreu a 9ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, com mais de 100 atrações em diversos formatos, entre eles palestras, oficinas, apresentações culturais, painéis, exposições, bate-papos, contações de histórias e lançamentos de livros. Tendo como tema “Livro Aberto: Leitura, Liberdade e Autonomia, fomentando a discussão sobre a importância da leitura como ferramenta de liberdade e autonomia, a população pôde apreciar, durante 10 dias, as atividades situadas em vários prédios históricos na principal rua do bairro, a Sá e Albuquerque, além de praças e da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo.
Já no início da caminhada pela Sá e Albuquerque, rodeada por cultura e arte, é possível se deparar com a imponência do prédio da Associação Comercial de Maceió, que se destaca na paisagem por sua arquitetura de característica neoclássica. Sua fachada possui quatro colunas greco-romanas que ladeiam uma escadaria convidativa para entrada na parte interna do local, e é lá que ocorre parte da programação, com atividades em sua escadaria, no térreo e em seu auditório.
Antônio Saracura foi um dos presentes na Associação Comercial, no espaço destinado para escritores independentes. Com publicações desde 2008, com narrativas romancistas que retratam o processo migratório da população nordestina para tentar uma vida melhor no sul do país, ele ressalta a importância de eventos como a Bienal para a divulgação e exposição de artistas sem grande renome.
“Tenho 74 anos e comecei minha vida em jornal, produzi notícias para a Rádio Cultura de Sergipe durante 4 anos, e fui redator-chefe do jornal “A Cruzada”, que era um jornal católico. Depois passei num concurso da Petrobras e virei Analista de Informática, onde passei 35 anos em um Centro de Processamento de dados desenvolvendo aplicativos pra computador. Em 2000 me aposentei e fui me dedicar à Literatura. Foi quando em 2008, 11 anos atrás eu publiquei meu primeiro livro, os “Tabaréus do Sitio Saracura”, que narra a história de um povo do interior que produzia importantes figuras da sociedade", contou.
(Foto: Escritor Antônio Saracura)
Entre outros autores, desenhistas e expositores de produtos artísticos, Saracura fala que se que o jovem público que frequenta o espaço da Bienal serve como fonte de inspiração para a construção de novos personagens, que a dinâmica entre autor e leitor serve para reforçar os laços da literatura, e que nunca é tarde para se começar a escrever.
“Meu novo livro chamasse “Pássaros do Entardecer” e eu vejo no meu trabalho uma forma de difundir a literatura e a escrita. Todos nós temos histórias bonitas acontecendo a nossa volta. Não podemos perder a oportunidade de deixar de escrever belas histórias, sejam elas grandes ou pequenas. É o que eu faço com a arte de escrever. Poucos dos meus antepassados escreviam sobre suas histórias para lermos e entendermos sobre o passado. Então, tenho como meta deixar um legado para que as novas gerações possam olhar para trás e se orgulhar da história do seu povo. O recado que eu deixo é para quem tiver um caderno em casa, escreva sobre sua vida, ou conte estórias e produza literatura. Coloquem o pensamento no papel para deixar para o futuro, porque um povo só é grande se tem uma história a ser conferida”, explicou.
As ruas ganhando vida
Voltando para a área externa, já ao entardecer, alguns artistas fazem da rua o próprio palco. Personagens de contos infantis, estátuas vivas e uma imitação do icônico Charlie Chaplin, chamando a atenção e levando alegria e descontração para quem passa pelas ruas. Além de aguçar a curiosidade do público, principalmente das crianças, os personagens despertam o encanto nas pessoas. Ocupando o centro de quase toda a extensão da rua Sá e Albuquerque, eles não falam, mas suas expressões faciais são um convite à concentração nas técnicas e mímicas.
Entre idas e vindas pela visitação dos prédios é impossível não se encantar com a apresentação executada pelos artistas na rua. Maisa Emanuele foi com seu filho, que apesar de muito novo, ficou maravilhado com as atuações artísticas.
“As atrações dentro dos prédios estão bastante interessantes e se somam a essas apresentações nas ruas. É um trabalho gratificante não só pra eles que fazem, mas pra nós que assistimos, até porque desperta uma forma de olhar diferente e causa reflexão em quem passa. Além do mais, às vezes eles precisam suportar situações inconvenientes como xingamentos ou piadas, mas sempre fazem o trabalho com perfeição e terminam agradando a todos que os assistem”, disse.
(Foto: estátua viva por artista de rua)
Encontro de culturas
No pavilhão das Oficinas, no espaço que é normalmente destinado para o estacionamento de veículos da prefeitura, alguns blocos de salas de aula foram montados, onde o público pôde ter acesso a “minicursos” realizados em diversas áreas ao longo de todo o dia. Após introdução teórica das atividades e aprendizado da aplicação das técnicas, os alunos partem para a parte prática, onde executam as tarefas indicadas pelo instrutor.
Janaína Araújo, 29 anos, é uma jovem autora de Mangá, formato de história em quadrinhos desenhado no estilo japonês, que aplicou um dia de oficina para os interessados na arte de desenhar. Ela fala que se apaixonou por quadrinhos japoneses por consumir muito desenho animado e comprar revistas em bancas de revistas. E foi durante um curso de extensão na UFAL, que eu me encantei pela estética desse formato.
“Desde que aprendi as técnicas a partir de um curso de extensão, durante minha graduação de Biologia, eu coloco características brasileiras dentro da estética dos quadrinhos japoneses. O Brasil tem uma diversidade muito grande de estilos e traços, mimetizar os traços japoneses é complicado porque não vivemos a cultura de lá, então eu acredito que o principal elemento do quadrinho brasileiro é não nos apegarmos necessariamente ao estilo estético original, mas sim a narrativa, aos elementos que são tipicamente brasileiros, isso inclui um traço característico local, as gírias, o cenário, a apresentação dos personagens e até mesmo a linguagem corporal”, disse.
(Foto: Janaína Araújo lecionando oficina)
Para a estudante Nathália Moraes, o momento foi de aprendizagem. “Foi bastante divertido e instrutivo, principalmente a parte prática. A gente termina saindo da aula com uma visão mais ampla, procurando desenhar aplicando uma técnica mais apurada", comentou.
(Foto: oficina de desenho em quadrinhos)
A Bienal do Livro, que já era consolidada no cenário cultural alagoano, assumiu, em 2019, o protagonismo ao se apropriar de um bairro histórico da capital alagoana, e levar ressignificação do espaço público para toda a população que esteve presente no evento. Para muitos, o evento foi primordial para quem não conhecia importantes espaços que contam a história da cidade e dão uma nova percepção sobre o bairro do Jaraguá.
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