“Quisemos democratizar o acesso à leitura, literatura e outras áreas. É democratizar mesmo todos os temas dentro da Bienal e atingir variados públicos”, diz a idealizadora do evento, Carol Almeida
Por Eduarda Felix e Nathália Cesário
Foto: Manoel Henrique/https://www.bienalalagoas.com.br/2019/11/bienal-do-livro-de-alagoas-traz.html
Com a proposta de revitalizar o bairro histórico do Jaraguá, a IX Bienal Internacional do Livro trouxe o tema “Livro aberto: leitura, liberdade e autonomia”. Mais de 100 atrações gratuitas e diversificadas atraíram em torno de 300 mil pessoas, desde crianças a idosos. O evento foi bem-sucedido e já é a esperança de ter o bairro que deu origem a cidade de Maceió de volta à ativa, sendo valorizado e movimentado como foi no passado.
Do dia 1º ao 10 de novembro de 2019, durante manhã, tarde e noite, a Bienal se apresentou nos vários aparelhos espalhados pelo bairro: Arquivo Público de Alagoas, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Museu da Imagem de e do Som (Misa), Praça Dois Leões, Praça da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, Espaço Armazém, Forte 18 de Copacabana, Associação Comercial, Pavilhão das Oficinas, Teatro Homerinho, Rex Bar, estacionamento da Prefeitura de Maceió e na Rua Sá de Albuquerque oferecendo muitas opções para o público.
A IX Bienal trouxe atrações locais e nacionais para debater diversos temas: literatura, pintura, fotografia, educação acessível e feminismo, por exemplo. Escritores como Giovani Martins, Aline Bei, Jarrid Arrais, Amara Moira, Gustavo Lacombe e Zeh Gustavo fizeram parte da representação do cenário nacional literário. Também participaram do evento a escritora e missionária monja Cohen R’shi, a jornalista, mestra em políticas públicas e candidata à vice-presidência do Brasil em 2018, Manuela D’Ávila - que lotou os arredores da Associação Comercial -, a autora do blog Escreva Lola Escreva, Lola Aronovich, entre muitos outros. Para representar o cenário literário local, estiveram presentes atrizes e atores, pesquisadores, escritoras e escritores como a presidente da Academia Alagoana de Letras(AAL), Isvânia Marques, Maria do Socorro Lamenha, EdilmaAcioli Bonfim, Enaura Quixabeira, Benedito Ramos, EromCordeiro e a drag queen Natasha Wonderful. A programação contou com seminários, palestras, debates, mesas, oficinas, danças, músicas, folclore, teatro, performances, shows e espetáculos. Fechando com chave de outro, o encerramento reviveu as prévias de Carnaval no bairro com os Blocos Filhinhos da Mamãe e Pinto da Madrugada.
O país homenageado da IX Bienal foi Moçambique, um país lusófono. A programação apresentou as inquietações, a arte, a literatura e o processo de construção identitário e histórico que o continente africano como um todo representa no nosso país. Escritoras como Rosa Langa e Melita Matshinefizeram parte dos momentos.
É a primeira vez que a Bienal vai à rua, todas as outras edições aconteceram em locais fechados. De acordo com a coordenadora geral de programação da IX Bienal do Livro de Alagoas, Carol Almeida, a primeira Bienal foi em um salão de livros que aconteciam nas universidades e a segunda foi no Clube Fênix. A partir da terceira, ela foi para o centro de convenções, porque demandava de um lugar maior. “Eu costumo dizer que a Bienal é uma menina e essa menina está crescendo, se tornando adolescente. A cada ano aumentava público, aumentava as atividades e ela só faz crescer. Então a gente precisava mesmo de um lugar maior e foi escolhido o Jaraguá, por causa dos prédios históricos e para a gente trazer de volta o avivamento do bairro, porque ele teve aquele boom da revitalização e depois novamente as ruas começaram a ficar vazias. Então essa foi a ideia para movimentar o bairro e trazer as pessoas até lá. Eu acho que a gente não vai poder mudar esse formato mais, da Bienal nas ruas. Ou vai ficar no Jaraguá ou vai para outro bairro, mas voltar para um lugar fechado acho que não. Porque pelo o feedback que a gente tá tendo as pessoas tem aprovado esse formato”, explicou a coordenadora do evento.
Como o tema já explica, a coordenadora conta que a intenção era, de fato, a liberdade, a autonomia e a democratização com oficinas desde literatura à fotografia. “A gente queria que as pessoas viessem, a Universidade saísse dos seus muros e abraçasse as pessoas. Que lugar melhor para fazer isso que a rua? Quisemos democratizar o acesso àleitura, literatura e outras áreas. É democratizar mesmo todos os temas dentro da Bienal e atingir variados públicos”, afirmou Carol Almeida.
Liberdade, autonomia e fotografia na bienal
Foto: Dayvson Oliveira/ https://www.bienalalagoas.com.br/2019/11/bienal-do-livro-de-alagoas-traz.html
Idealizada pelo professor Gregory Aguiar e com colaboração de Ducy Lima, a Oficina de fotografia e empoderamento aconteceu na terça-feira (05/11) na Sala 7 do Pavilhão das Oficinais durante a 9ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Gregory apresentou aos alunos a parte teórica da mobgrafia (movimento que estimula a arte fotográfica em aparelhos móveis). Foram explicadas técnicas de enquadramento, ângulos, cortes e regras sobre o que fazer e o que não fazer com o celular para a foto sair boa.
Ducy mostrou aos alunos as fotografias que faz desde 2013, ano que começou com a mobgrafia. Ela, que usa sua conta do Instagram (@ducylima) como portfólio, contou histórias da sua trajetória como fotógrafa, falou sobre a técnica de espelhamento, sua favorita, e o aplicativo que mais usa na edição das imagens, o Snapseed. Antes da parte prática da oficina, a discussão sobre direito de imagem alertou os ouvintes sobre o uso indevido de imagem, previsto como crime.
Segundo a estudante de psicologia, Anny Victória (19), a oficina foi um ótimo incentivo pessoal. “Claro que é um primeiro passo, não é uma coisa tão completa, mas serviu para despertar ainda mais interesse pela área e foi realmente bem explicativa, técnicas muito boas foram apresentadas e tudo mais”, comentou.
Na segunda metade da oficina os alunos saíram pelas ruas da bienal para colocarem em ação as técnicas ensinadas pelos orientadores. “Além da oficina acontecer no bairro do Jaraguá, que é um dos bairros históricos da cidade, o que me trouxe aqui foi minha paixão pela fotografia, um atual hobby que só aumentou após a oficina”, completou Anny.
Em entrevista, Gregory Aguiar e Ducy Lima falaram sobre suas expectativas e a importância de oficinas como essas, que atuam no incentivo do empoderamento pessoal e coletivo, serem realizadas durante eventos de grande visibilidade como a Bienal.
Qual a finalidade da oficina?
GREGORY: Mostrar para os usuários médios de celular o conceito chamado de mobgrafia que é a fotografia de verdade técnica usando aparelhos celulares, dentro de um contexto que a fotografia pode ser utilizada como ferramenta de empoderamento individual ou coletiva e comunitária.
DUCY: Como tema é empoderamento queremos mostrar os tipos dele e algumas técnicas básicas de fotografia que os alunos possam usar diariamente.
Qual o público que se espera atingir?
GREGORY: A gente limitou a turma em 20 pessoas, mas nós sabemos que essas pessoas vão servir para semear os conceitos básicos da fotografia. Claro que não vão sair fotógrafos, mas algumas coisas e alguns conceitos básicos de noção, perspectiva e realidade eles vão conseguir trabalhar.
Qual a importância da fotografia nas lutas sociais e no empoderamento?
GREGORY: O contexto dessa fotografia nas lutas sociais é totalmente importante, especialmente nos tempos que vivemos hoje. Isso por que a fotografia traz uma visibilidade, uma poética, para a luta social e para grupos que são oprimidos, como os negros, a comunidade lgbt, os grupos sem teto, os sertanejos, entre outros.
DUCY: Como a fotografia está ligada a mídia, a visibilidade que se pode ter com ela é essencial, ela pode ajudar a formar uma opinião ou imagem de algo.
A mobgrafia e os cinegrafistas amadores
Nunca se falou tanto em fotografia feita por smartphones. A cada dia que passa surgem mais festivais, prêmios e concursos que levam como tema principal, a Mobgrafia. A Mobgrafia é um movimento que estimula a fotografia, produzida e editada em aparelhos móveis, como celulares e tablets, e compartilhado em plataformas digitais. Os grandes veículos já abriram suas portas para esse movimento, como por exemplo, o The New York Times, que em 2013 usou em sua capa uma fotografia feita por um iPhone 4S e editado no Instagram.
Esse movimento vai de encontro com o fenômeno de “viralização” nas redes sociais, termo que surgiu para designar os conteúdos que ganham repercussão na web muitas vezes de forma inesperada. Atualmente, as redes sociais dominam grande parte do marketing do mercado. A fotografia é mídia, no contexto de lutas sociais, a mobgrafia se tornou praticamente um trabalho de jornalismo investigativo não qualificado e irregular.
A fotografia social feita por pessoas comuns pode ajudar a definir ou destruir opiniões, pode ser a representação real ou uma manipulação da realidade, além de ser interpretada de maneiras diferentes por pessoas diferentes. Um fato é que, a de cada dia que passa surgem mais cinegrafistas amadores no mundo, mas, ao mesmo tempo, redes de televisão pararam de utilizar esse tipo de mão de obra em reportagens.
Por esse motivo, a atenção e a desconfiança se tornaram reações naturais quando recebemos fotos e vídeos polêmicos pelas redes sociais. Talvez seja até necessário fazer seu seupróprio trabalho investigativo antes de compartir qualquer mídia. Pessoas comuns não têm a competência e o conhecimento de um profissional especializado, que deve orientar individuo em meio as várias fontes e versões de um caso.
Liberdade e autonomia para democratizar o conhecimento
A IX Bienal Internacional do Livro aconteceu, este ano, no bairro do Jaraguá e pôs em debate o tema "Livro aberto: leitura, liberdade e autonomia". Com a proposta de democratizar o acesso à literatura e à outras áreas, pode-se dizer que a bienal cumpriu bem seu papel. No evento, haviam livros de 10 reais e oficinas desde de como fotografar com smatphones ao acesso à arte como um todo. Crianças de vários interiores de Alagoas, algumas que jamais tiveram contato com aquele tipo de acontecimento, estiveram lá. Diariamente escolas municipais e estaduais estiveram presentes nas ruas do Jaraguá. Algumas viajaram mais ou menos três horas para estar ali. No sexto dia do evento, quando a contadora de histórias perguntou que horas às crianças acordaram para chegar de 10:00 à bienal, os alunos de Passo do Camaragibe responderam: 6:00 da manhã.
Nas ruas do bairro, os pequenos puderam ver de perto personagens que talvez sequer viram na TV. Para alguns, foi o primeiro contato com o teatro, com a música, com a dança, e até com a literatura. Em tempos tão difíceis, em tempos com ideias de escola sem partindo à nossa porta, em tempos de perseguição, tais primeiros contatos se tornam essenciais. O processo de pensamento crítico e a consciência de mundo que os cerca talvez seja a saída para que tempos melhores estejam no nosso futuro e também nos das nossas crianças.
Empoderar crianças, ensinando-as, dando poder de escolha, conhecimento de mundo, de cultura, colocar nas mãos delas aparelhos com os quais algumas jamais tocaram como uma câmera, um computador, um tablet, até um livro, ensiná-las a trabalhar com o que tem, a trabalhar com fotografia com o celular, a fazer boas fotos. Tornar acessível aquilo que alguns tem tanta vontade, mas não tem como fazer. Mostrar a adolescentes mulheres feministas famosas para que elas também possam tomar conhecimento e ingressar nas suas lutas. Isso é autonomia. Isso é liberdade.
Não sei se as crianças podem, de fato, mudar o mundo. Não sei se o as crianças são o futuro. Mas estimular essa vontade de mudar tudo que está errado, os problemas que os cerca, estimular a querê-las fazer a mudança talvez torne nosso planeta um lugar mais agradável e menos injusto.
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