Mudança de ares e vivacidade do bairro histórico de Maceió que marcou a nona edição da feira de livros em Alagoas
Por Camilla Bibiano e Cristiano Firmino
Personagem recepcionando os visitantes no pavilhão da Feira do Livro. (Foto: Camilla Bibiano)
A nona edição da Bienal do Livro de Alagoas inovou com a ida para as ruas de Maceió. Realizada no bairro histórico do Jaraguá, o evento, que já era muito esperado, tomou forma nos prédios públicos e encheu de luz a Rua Sá e Albuquerque.
E com uma grande mudança, toda a logística do evento altera-se com ela. É a primeira vez que a Bienal sai de um local fechado para ganhar o céu aberto, tendo suas novidades aprovadas pelos visitantes que passaram pelos dez dias do evento.
Durante seis edições a grande feira de livros ficou sediada no Centro de Convenções de Maceió. No ano de 2019, todas as atividades já comumente realizadas na Bienal foram sediadas em prédios como o da Associação Comercial, o IPHAN, MISA e Espaço Armazém. Foram mais de 100 mil títulos postos à venda em 71 estandes e cerca de 15 mil visitantes por dia que desfrutaram da Bienal neste ano.
Carol Almeida, coordenadora geral de programação da nona edição, ressaltou que a ideia de ir para as ruas não foi bem aceita por todos os organizadores no começo e que existiam desconfianças sobre como a população ia aceitar o novo formato.
“Por ser um local aberto, podia inibir um pouco a população de participar do evento. A gente queria que as pessoas viessem, que a Universidade saísse dos seus muros e abraçasse as pessoas. Que lugar melhor para fazer isso que a rua?”, questionou.
As escolas foram outro público que entrou nos prós em transferir a Bienal de lugar. A mudança possibilitou uma melhor alocação dos estudantes, principalmente com os ônibus. A organização ainda contabilizou que cerca de 90 escolas passaram por dia no Jaraguá.
O tema também fala muito sobre o que a Bienal quer apresentar nesta nona edição. Livro aberto: Leitura, Autonomia e Liberdade, trouxe personagens que recepcionavam os visitantes e fizeram a alegria das crianças. “É essa coisa da leitura que saiu do livro mesmo, o livro está aberto, as personagens saíram e estão convivendo no meio das pessoas. É a mistura do fantástico com o real. E isso é muito bacana de ver”, destacou Carol.
É justamente esse público que o evento visa conquistar. Grande parte das programações e produtos vendidos são voltados para as crianças, que são maioria pelas ruas. A necessidade de se trabalhar o lúdico e o contato com a literatura vem fortalecendo a cada edição o segmento infantil.
“As crianças são o maior público da Bienal. Pode ser um clichê esse negócio da criança ser o futuro, mas a leitura é muito importante para que se possa pensar. Então desde pequeno é necessário o contato com a literatura e a leitura para que se possa ter senso crítico. Para que não haja retrocessos e daqui para frente as coisas mudem”, salienta a coordenadora.
Como a Bienal vem se tornando algo bem maior que uma simples feira de livros, atividades diferenciadas vem sendo desenvolvidas, desde a contação de histórias e mesas redondas até atividades culturais durante todo o dia. A coordenadora de programação Carol Almeida ressaltou que a Bienal se consolidou como o maior evento artístico-cultural do estado e vem buscando novas formas de inovar nessa área.
“Nós abrimos esse ano uma chamada pública, para que as pessoas inscrevessem suas propostas e pudessem participar. Antigamente era feito por uma curadoria, se você conhecia alguém que tinha um trabalho legal, então era feito o convite. Já com a chamada pública as pessoas chegaram com seus trabalhos ao nosso conhecimento. Tem uma galera daqui de Alagoas que está apresentando os seus trabalhos na Praça Dois Leões”, pontuou.
Histórias e o Mundo Infantil
A contação das narrativas dos livros e sua influência na educação e formação das crianças
Uma das atrações presentes na Bienal é a famosa contações de histórias. Essa, que é uma atividade já comumente esperada por todos os visitantes, em especial as crianças. Todos os dias as histórias estiveram presentes e ganharam um local de destaque para sua realização: a praça em frente à Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. A tenda montada especialmente para as apresentações teve fluxo intenso e recebeu crianças de variadas idades.
Dessa forma, a contação de história se torna parte importante de toda a edição da Bienal, que tem como objetivo incentivar a leitura em todas as idades. Para atrair as crianças para os livros, muitas delas são feitas com uma performance teatral que envolve até figurinos especiais.
Essa ferramenta, além de muito agradável para as crianças, é muito importante para a formação infantil como um todo. As histórias dentro do universo educacional podem ser utilizadas para ajudar as crianças a entender o mundo que as cerca.
As crianças interagiram cantando e dançando durante as contações de histórias da Cia Literando. (Foto: Camilla Bibiano)
Transmitindo valores morais e estimulando a emoção, as histórias assumem um protagonismo importante em um evento cultural que atinge muita gente. Por ser gratuita, a Bienal recebe muitos visitantes de escolas públicas que, por muitas vezes, não têm acesso aos livros. Para muito deles, a ida até lá é inédita e tem um impacto incalculável.
É o que diz a psicóloga Josiane Lúcia, que estava acompanhando uma turma de uma escola municipal da capital. “É interessante porque elas nunca viram a história contada e elas estão prestando bem mais atenção”, relata.
Vários personagens estão recepcionando as crianças pelas ruas do Jaraguá, o que logo chama atenção dos pequenos. Ao sairem dos livros e tornarem-se reais, as crianças conseguem se conectar mais às histórias e ter empatia pelos personagens.
Por meio delas, as crianças despertam o lado lúdico e começam a desenvolver a imaginação, a criatividade e o gosto pela leitura. A contadora de histórias da Cia Literando, Damiana Melo, conta que foi por meio da avó que se apaixonou pela literatura infantil.
“A minha avó não precisou trabalhar com nenhum livro, mas o fato dela despertar em mim o gosto pelas histórias e eu descobrir que as histórias vinham de livros, isso favoreceu demais eu querer descobrir cada vez mais os livros, para saber mais histórias”, conta.
É por meio das histórias que muitas vezes acontece o primeiro contato com os livros. “Quando a gente lê uma história de um livro as crianças automaticamente querem pegar no objeto, eles querem se apropriar do livro, das histórias, querem ler por eles mesmos depois que você contou, você abre aquela porta para eles”, opina a contadora.
Damiana, que também é escritora e produziu dois livros infantis, destaca que a contação não precisa de grandes aparatos, mas sim de se sentir atraído pela história e seguro do que quer contar. “A minha avó era analfabeta e só com a voz e a afetividade que ela levava para contar história para gente, para mim ela era a maior de todas naquele momento. É muitas vezes o que eu percebo na minha relação com as crianças, num olhar, na interação, que elas me veem ali como um ser mágico como eu via na minha avó. Ela chegava e eu já sabia que ia ter história”, relembra.
A coordenadora de programação da Bienal, Carol Almeida, fala que as contações são muito importantes dentro do evento para fazer a criança ir além do mundo digital que estão enraizados. “A gente busca aquela contação de ser a personagem caracterizada, no modo antigo de contar história, para que a criança se encante com o ator ou atriz usando seu próprio corpo, sem precisar de nenhum recurso tecnológico. Ela possibilita que a criança saia um pouquinho desse universo digital e que elas venham para o fantástico materializado”.
No compasso da musicalidade
Como a música modifica e impacta a forma de contar histórias
O músico Sidney Sá encaixa o ritmo das histórias que serão contadas. (Foto: Camilla Bibiano)
A história narrada traz inúmeros benefícios na construção educacional da criança, mas outro ponto bastante importante é o desenvolvimento de memória que ela possibilita. Com o recurso da música e das rimas, as histórias se acrescentam para fixar ainda mais a literatura na cabeça infantil.
Com refrões e repetições, as crianças conseguem absorver todo o conteúdo além de conseguir relembrar posteriormente da história contada. Coreografias também são adicionadas e possibilitam ferramentas importantes para estimular a observação e a reflexão.
A contadora de histórias Damiana Melo explica que as crianças se envolvem mais porque a música tem elementos de ludicidade, do movimento e da sonoridade. Tudo isso serve como ferramenta para prender a atenção das crianças.
Ela também acredita que a música em si já conta uma história e que unir a contação com as notas musicais se tornou algo natural no projeto da Cia Literando, que ela assina junto com o músico Sidney Sá.
“Uma música instrumental, por exemplo, você cria a história dela. A música, além de tudo isso, ela tem essa coisa de envolver as pessoas. A gente acha que também tem música nas histórias. Quando a gente para pra pensar numa história a gente consegue ouvir a música”, diz a contadora.
Damiana também conta como funciona o processo de escolha das histórias que serão contadas. “A primeira coisa que eu acho é você querer contar, isso é o maior elemento para a contação acontecer. Você precisa de um tempo de dedicação para escolher a história, que música que casa com aquela história, precisa voltar o olhar para a narrativa”. Ela ainda diz que não é o contador que escolhe a história, mas sim a história que escolhe o contador. Por isso, seu vasto repertório de apresentações consiste em fatos vivenciados por ela e que estão presentes no cotidiano das pessoas.
Justamente por elas vivenciarem muitas das histórias contadas, a criança consegue se identificar ainda mais com o momento. Isso deu a ideia ao nome dado por Damiana e Sidney ao espetáculo de contações, que se chama Cantar para Encantar.
“A gente quer contar, quer levar a história e a gente quer que as crianças que participam fiquem encantadas por esse momento, como um dia eu me encantei para poder despertar a leitora que hoje eu sou”, expressa a contadora.
Isso é bem observado por quem acompanha as crianças durante o passeio na Bienal. A psicóloga Josiane Lúcia relata que além de escutar as histórias, a música permite uma maior interação deles com os contadores. “É bom para elas conhecerem, porque no mundo atual que nos vivemos de tanta internet e redes sociais, a contação musicada é uma coisa nova”, enfatiza.
Espaço para as crianças no MISA incentivavam a leitura e pintura, além de contar com jogos de memória e lógica. (Foto: Camilla Bibiano)
A coordenadora do espaço da Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, Mira Dantas, conta que o prédio do MISA foi invadido pelas programações musicais e contações de histórias voltadas ao público infantil. E logo na porta do estande é possível ver uma citação de um livro infantil sobre a possibilidade de a criança mudar o mundo.
“Tanto a musicalização como a contação de história são atividades que incentivam além da memória, a busca pelo conhecimento através da leitura. O livro aberto de uma das escritoras alagoanas na porta diz que a criança pode mudar o mundo e conscientiza que são eles a nova geração que vai fazer a diferença. Então já começa por aí, deles perceberem que não são só crianças, mas que eles tem uma importância muito grande pra nação”, destaca Mira.
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