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LEITURE-SE! A esperança em uma Alagoas de leitores através da literatura infantil

Bienal gratuita e produção local estimulam a prática da leitura no estado

Por: Milenna Alves e Bruno Rafael


Com o surgimento de tecnologias cada vez mais avançadas, a taxa dos jovens que lêem no Brasil diminui cada vez mais. É o que mostra uma pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro em 2011, que compara o ano da pesquisa com dados de 2007, em que a taxa de leitores era de 82% contra 71% da última pesquisa realizada. Além dessas ferramentas, diversos fatores influenciam no desinteresse à leitura. O analfabetismo em Alagoas é ainda o maior do país, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 17,2% dos jovens não sabem nem ler, nem escrever. O número é bem maior que a média nacional que marcam cerca de 6,8%.


A 9° Bienal Internacional do Livro de Alagoas, realizada no bairro histórico do Jaraguá, recebeu centenas de escolas, públicas e privadas durante os dez dias de evento. A Bienal tem como objetivo o incentivo à leitura, com lançamento de livros, palestras e atrações culturais, esta edição ainda tem o desafio de reacender o interesse pela literatura logo na infância.


Com o intuito de incentivar a leitura infantil, a prefeitura de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), criou o projeto vale-livro, no qual as crianças das escolas municipais ganham um cartão com 20 reais em crédito, para que possam adquirir qualquer livro do acervo infantil disponível.


Betânia Gomes, coordenadora pedagógica da Escola Marcos Soriano, ressaltou a importância de tal projeto principalmente para as crianças mais carentes “A parceria das instituições que estão dando essa oportunidade de trazer as crianças, de presenteá-las com o vale-livro, da oportunidade dela escolher um livro da literatura brasileira, um conto, uma fábula, para contribuir e fazer crescer o auto-conhecimento deles. Tem crianças aqui que a família não sabe ler. Nós, como escola pública, só temos a agradecer essa parceria porque muitos não têm oportunidade e isso enriquece o vocabulário da criança”.


Além de uma oportunidade única para os apaixonados por leitura, a Bienal de Alagoas, é a única do Brasil 100% gratuita. Organizada pela Edufal, ela também dá a oportunidade de aproximação daqueles que não tem o costume da leitura, sendo uma importante ferramenta para inclusão, principalmente das pessoas periféricas, em diversos conteúdos literários.


É o que comentou o professor José Benevides, que visitava a Bienal com sua turma do 2° ano da Escola Municipal Hermínio Cardoso do bairro do Fernão Velho "Trazer os alunos para um evento desses acaba ajudando eles a ter amor pela leitura, porque como vivemos ali em um bairro longe do centro, tudo é novidade para eles. Para eles, que estão na parte periférica de Maceió, ter o contato com um evento desses incentiva os alunos a estudarem mais e gostar da leitura. Dá para perceber a satisfação deles em estar saindo lá do bairro de Fernão Velho e vir para um novo bairro, e para uma feira dessa importância”.


O fluxo nos dois primeiros horários de Bienal encheu as ruas do Jaraguá de crianças de várias escolas, públicas e particulares. O evento deste ano foi o primeiro contato de muitas com a feira de livros, que se encantavam pelos estandes de livros e pelas ruas repletas de personagens encantados.


Além do papel das escolas, a leitura deve ser incentivada pelos pais e familiares, essa troca é fundamental para estimular o hábito da leitura. A pequena Yasmin, de 10 anos, visitou a Bienal pela primeira vez e além dos projetos de leitura realizados pela escola onde estuda, o Centro de Ensino Nexus, a menina que se encanta com princesas e muito brilho, recebe de sua família indicações de leitura “Minha avó tem a coleção dos livros do Sítio do Picapau Amarelo, ela pediu para eu ler a primeira parte, e eu já estou lendo”, contou Yasmin.


Ler é incluir!


A leitura ainda é uma das formas mais eficazes de incentivo à educação, cultura e informação. Além disso, podemos citar uma grande lista de benefícios para as pessoas por exemplo: ao ler, sua criatividade é fortalecida. Isso é o que mostra uma pesquisa feita na universidade de Toronto, no Canadá, onde foi descoberto que pessoas que leem ficção têm mais tendência a aceitar pensamentos ambíguos e passam a entender diferentes aspectos de um mesmo assunto. Isso significa que, graças à leitura, é mais fácil encontrar alternativas diferentes no dia a dia.


Esse foi um dos motivos que trouxeram o menino Fábio até a Bienal. Fã de Pokémon e amante de super-heróis, a busca pela diversão na leitura de histórias em quadrinhos foi o principal motivo que fizeram com que um garoto de 10 anos se encantasse pela Bienal.


Adotado como afilhado no ano passado, e com a guarda definitiva a dois meses, Fábio sentia dificuldade no aprendizado dentro da escola, Daiane Fidelis, tia do garoto, ressaltou a importância da leitura em seu desenvolvimento, e da experiência de sua primeira Bienal.

“É uma experiência muito boa porque é o contato da criança com a leitura e o desenvolvimento. É maravilhoso porque ele não vai ter contato somente com o Pokémon que é o que ele está buscando, mas também com outro tipo de livro e pode ajudar no desenvolvimento dele.” comentou Daiane.


Os livros auxiliam Fábio no seu desenvolvimento e conseguem, de acordo com sua tia, suprir o atraso decorrente de sua época órfão, já que o garoto não frequentava a escola na época. Além de ser a melhor ferramenta de desenvolver o afeto com sua nova família.


Cheiro de chuva! Produção literária local planta livros para colher leitores

Falar de literatura infantil em Alagoas é esbarrar em índices e dificuldades. As taxas de analfabetismo no estado, que amarga a maior taxa do Brasil nas pesquisas, é reflexo da ausência de contato com a leitura na infância, e, mais do que isso, da não valorização á educação e aos livros.


É na infância que vivemos em harmonia com nossa imaginação, dramatização e exploração de diversos mundos. Aproveitar essa fase para estimular o contato com diferentes gêneros textuais, autores e histórias é o início do processo de criação de um leitor.


Há muitas datas comemorativas no Brasil que celebram a leitura, mas o fato é que não somos um país de leitores. A leitura está na maioria das vezes em nossa caminhada estudantil como algo obrigatório, que visa a objetividade nas atividades escolares, e não algo prazeroso e constante, que se torne essencial na nossa formação cultural e social.

Para contribuir com essa formação social e cultura, é preciso pensar na literatura infantil com representatividade, estimular as crianças através das palavras à semelhança entre o real e o fictício. É desta forma que a escritora carioca radicada em Alagoas, Cláudia Lins, brinca com o imaginário infantil. Em suas obras, a escritora busca explorar a cultura e o folclore alagoano na construção da identidade dos pequenos.


Nesse recorte, Cláudia aponta algumas peculiaridades em escrever sobre Alagoas para os alagoanos, observando principalmente a não valorização da cultura pelos locais, “Isso sempre me inquietava, eu acho que a gente devia bater no peito (eu falo isso porque eu me sinto alagoana) e dizer eu sou da terra do Quilombo do Palmares e isso por si só deveria ser um referencial para toda criança se sentir muito orgulhosa de viver em Alagoas”, ela completa ainda falando que não muito longe da terra dos Marechais esse orgulho e pertencimento é visto nas crianças, “quando eu saio daqui e atravesso três horas de carro para ir à Aracaju, eu vejo uma fila de crianças querendo que eu autografe um livro que tem um menino negro na capa e esse menino é um menino quilombola. Elas tem um pertencimento com a história delas, elas se veem ali representadas, e eu não vejo isso em Alagoas, isso me provoca cada vez mais fazer o que eu faço”.


No Quilombo uma tartaruga alegra um Baobá que tem saudades da África, em outro refúgio africano o menino Nyuni tem alma de pássaro sonhador, na Ilha do Ferro, às margens do Velho Chico, Rosinha conta suas histórias, e não vamos esquecer de Maria que na vida de laguna conta histórias aos seus irmãos para não sentirem fome, Maria é a nossa princesa, assim como Dandara e tanta outras crianças alagoanas, as nossas raízes são negras e de luta, e são essas histórias que Cláudia representa em seus livros, e sonhar com o consumo de livros é como sonhar com o cheiro da chuva, um dia ela vem.


Outra iniciativa importante no incentivo a literatura infantil alagoana é a coleção Coco de Roda, da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. A coleção de livros infantis é lançada a cada dois anos, dentro da Bienal de Alagoas, sendo um dos editais públicos mais concorridos da editora do estado. Com a mesma prerrogativa das obras de Cláudia Lins, a coleção Coco de Roda também valoriza e homenageia a cultura alagoana e seus personagens ilustres.


Nise da Silveira vira menina pela autora Natália Agra, e viaja pelos balões de sua imaginação, o mestre Wilson da Canafístula é homenageado em uma história espacial que vai parar em Arapiraca, quem conta é o autor Januário Leite. E não para por aí, o Moleque Namorador e a Mulher da Capa Preta se encontram na literatura fantástica de Thiago Amaral, e nossa Marianinha sonha em ser sereia mesmo sem conhecer o mar, vivendo lá no Agreste de Alagoas, nosso riacho é doce e nas mãos de Gianinna Bernardes é cheio de emoção e saudade.


Ler sobre Alagoas em Alagoas é possível, e mais do que isso é necessário. Enxergar nossos heróis no cotidiano e enaltecer figuras da terra é mais uma ferramenta para a literatura local, como falou Sebastião Medeiros, do departamento comercial da Imprensa Oficial Graciliano Ramos, “Esses livros da coleção Coco de Roda têm um sentido, são frutos da imaginação popular, da cultura local das cidades. Ela (a coleção) tem como objetivo incentivar a leitura, estimular a criação de obras para crianças e os enredos trazem temas ligados à história, a geografia de Alagoas e levam o imaginário para as crianças. Tem todo um tratamento editorial e pedagógico para que esses livros sejam expostos e adquiridos por crianças com o intuito de aprendizagem”.


Mesmo com uma produção expressiva no mercado, o acesso a essa literatura ainda é distante das crianças. Esse mercado no Brasil foi sustentado por muito tempo pelas compras institucionais, com a queda dessa compra pelas instituições escolares, as editoras cresceram a margem de um mercado privado, que substituiu o livro infantil por jogos e brinquedos, com pouca literatura. Essa tiragem reduzida de livro infantil ocasionou em preços elevados para essas produções.


Em Alagoas, observa-se que mesmo com um evento literário gratuito e acessível à população, os investimentos para aumentar o número de leitores constantes ainda não é uma realidade.


“A gente não tem em Alagoas um política de compra de acervos, nem para uma biblioteca pública. Ou a gente doa ou algum livreiro pode ter vendido um livro ou outro meu, mas procure meu acervo, os meus lançamentos, procure nas bibliotecas. Então assim, a gente não compra de acervo para as bibliotecas, ou alguma política que favoreça, não precisa ser lei, mas um olhar para aqueles que produzem em Alagoas”, ressaltou a escritora e editora, Cláudia Lins.


Mesmo com essas produções locais, os olhares e mãos das crianças são atraídos para outros tipos de consumo durante a Bienal. Inúmeros expositores ganham destaque pelas promoções de livros brinquedos, livros de pintura, ou pequenos livretos acompanhados de brinquedos. Essa estratégia de marketing é a feitos por muitos livreiros, e o vale livro oferecido para crianças de escolas públicas é na maioria das vezes direcionado para esse tipo de consumo e não para a literatura.


Apesar da relevância e importância da literatura infantil alagoana e das produções com notabilidade para a cultura e tradições locais, essas ainda estão distantes das salas de aula. Os tantos personagens negros, ribeirinhos, quilombolas e lagunos, que protagonizam as histórias desses livros são o reflexo de crianças de Alagoas, mas até que esses se enxergam nas linhas dos livros é preciso implantar políticas públicas que incentivem a leitura nas escolas e classes alagoanas.



A 9º Bienal Internacional do Livro de Alagoas, ocorreu no início do mês de novembro, é o maior evento literário e cultural do estado. A edição da feira que acontece na terra dos Marechais é a única do Brasil realizada de forma gratuita, sendo organizada pela Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal).


Nos anos anteriores, a Bienal foi planejada no Centro de Convenções Ruth Cardoso, na edição mais recente invadiu as ruas do bairro histórico do Jaraguá. A iniciativa de ir pelas ruas do bairro foi mais uma importante decisão para tornar mais acessível o acesso ao evento. Mesmo sendo gratuita, a realização em um espaço fechada podia afastar o público da celebração, e a ida para um local aberta respondeu às expectativas e tornou a Bienal mais pública do que nos anos anteriores.


“Escolhemos o Jaraguá por conta dos prédios históricos, para a gente trazer de volta esse avivamento do bairro, porque teve aquele boom da revitalização e de repente as ruas começaram a ficar vazias. Queríamos trazer as pessoas para o bairro e dizer que aqui tem coisa para se ver, aqui tem prédios públicos, os prédios são nossos, vamos ocupar esse lugar”, ressaltou a programadora geral da Bienal, Carol Ribeiro.


Com o tema Livro Aberto: Leitura, Literatura e Autonomia, a Bienal expressou em suas atrações o compromisso com o conhecimento e a cultura como forma de pensar novos e melhores horizontes, não só para Alagoas mas também para o Brasil. Em um ano de turbulentas mudanças na educação pública, e nesse caso mais especificamente no ensino superior, o evento foi às ruas e teve um discurso bem definido “O tema foi uma provocação, manter esse livro aberto com leitura, liberdade e autonomia, já que a gente está vivendo anos tão difíceis. Foi uma luta fazer, não foi fácil, a gente tem parceiros que foram de extrema importância pra gente. Estamos tendo um feedback muito incrível, e todo mundo falando da importância de acontecer nesse momento”, ressaltou Carol Ribeiro.


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